Por: Carlos augusto Vailatti



"Os gentios, ouvindo isto, alegravam-se e glorificavam a palavra do Senhor; e creram todos quantos haviam sido destinados para a vida eterna."

De forma resumida, entendo que Atos 13:48 significa que os gentios creram na Palavra de Deus devido ao fato de o plano divino da salvação também incluí-los (e não somente aos judeus). Este pensamento aparece de forma clara no contexto de Atos 13. Não há nenhuma referência a uma hipotética "eleição incondicional" para a salvação em At 13:48, visto que o seu contexto diz que "por ele [Jesus] é justificado TODO AQUELE QUE CRÊ" (Atos 13:39; compare com Rm 1:17). Perceba que a fé é a "condição" exigida para a justificação. Portanto, a eleição para a salvação (aqui e em qualquer outro lugar na Escritura) não pode ser "incondicional", mas deve ser "condicionada à fé". Além disso, At 13:46 ajuda a esclarecer o sentido do v.48, ao dizer:

"Mas Paulo e Barnabé, usando de ousadia, disseram: Era mister que a vós [judeus] se vos pregasse PRIMEIRO a palavra de Deus; mas, visto que A REJEITAIS, e não vos julgais dignos da vida eterna, eis que nos voltamos [então] para OS GENTIOS".

Ora, diante dessas declarações torna-se evidente que a expressão "e creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna" (At 13:48) diz respeito simplesmente ao fato de o plano da salvação ser extensivo aos gentios, em vez de estar limitado apenas aos judeus. Atos 13:46-48 (lido em conjunto) ajuda a esclarecer melhor esse sentido:

"46 Mas Paulo e Barnabé, usando de ousadia, disseram: Era mister que a vós [judeus] se vos pregasse primeiro a palavra de Deus; mas, visto que a rejeitais, e vos não julgais dignos da vida eterna, eis que nos voltamos para os gentios [porque o plano da salvação também os inclui]. 47 Porque o Senhor assim no-lo mandou: Eu te pus para luz dos gentios, para que sejas de salvação até aos confins da terra. 48 E os gentios, ouvindo isto [que o plano da salvação também os incluía], alegraram-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna". (Atos 13:46-48).

Quanto ao termo "ordenados" (do grego, "tetagmenoi") que ocorre no v.48, este vocábulo é oriundo do verbo grego "tasso", que significa (1) "colocar em uma certa ordem" ou (2) "designar, ordenar, destinar". Desse modo, a frase "e creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna", pode ser traduzida assim: "e creram todos quantos foram colocados em ordem [i.e., os gentios DEPOIS dos judeus] para a vida eterna", ou ainda, "e creram todos quantos estavam designados (ou destinados) para a vida eterna". Em outras palavras, os gentios creram no Senhor porque, assim como os judeus, eles também haviam sido "designados" ou "destinados" para a vida eterna. Em outras palavras, o plano de salvação era inclusivo em seu escopo, de modo que também abrangia os gentios.





Por: Janderson Torres

Vocês devem, a maioria de vocês, estar familiarizados com o mérito geral segundo o qual os nossos amigos calvinistas mais antigos lidam com esse texto. “Todos os homens”. Dizem eles, isto é, “alguns homens”: como se o Espírito Santo não pudesse ter dito “alguns homens” se ele quisesse dizer alguns homens. “Todos os homens”, dizem eles, isto é, “alguns de todos os tipos de homens”: como se o Senhor não pudesse ter dito “todos os tipos de homens” se ele quisesse ter dito isso. O Espírito Santo, através do apóstolo, escreveu “todos os homens”, e inquestionavelmente ele quis dizer todos os homens. Eu sei como me livrar da força do “todos” de acordo com esse método crítico que há algum tempo atrás foi muito coerente, mas eu não sei como ele pode ser aplicado aqui com a devida consideração à verdade. Eu estava lendo agora mesmo a exposição de um doutor muito capaz que explica o texto de modo a minimizá-lo; ele aplica pólvora gramatical a ele, e o explode por meio  de sua exposição. Eu pensei, quando li sua exposição, que teria sido um ótimo comentário sobre o texto se ele dissesse: “Que não deseja que todos os homens sejam salvos, nem venham ao conhecimento da verdade”. [...] Meu Amor à coerência com as minhas próprias opiniões doutrinárias não é grande o suficiente para me permitir alterar intencionalmente um único texto da Escritura. Tenho grande respeito pela ortodoxia, mas a minha reverência pela inspiração é muito maior. Eu preferiria cem vezes parecer incoerente comigo mesmo a ser incoerente com a Palavra de Deus.


SPURGEON, Charles. Spurgeon’s Sermons Volume 26: 1880. Grand Rapids, Christian Classics Ethereal Library, 2002, pp. 48-49


Por: Janderson Torres



Recentemente veio a tona mais uma série de erros propagados pelos maiores expoentes do meio reformado brasileiro. Algumas das frases mais criticadas foram:

Dr. Augustus Nicodemus: "...Deus estabelece e ordena o pecado, mas a culpa é do homem."

Dr. Héber Carlos de Campos: "...No céu, Jesus sente fome, sede e sono." 


Dr. Leandro Lima: "...Provar o dom celestial é tomar a santa ceia."

Marcos Granconato: "...O Filho não conhece plenamente a mente do Pai."


Não pretendo neste texto refutar nenhuma destas afirmações, por não ser este o motivo deste post. A intenção real deste texto é refletir sobre a reação dos reformados, ou melhor, a falta de reação, em meio a tais erros graves. Lembro-me que recentemente, o Pr. Lucio Barreto Junior, mais conhecido como Pr. Lucinho lançou um vídeo onde desafiava as pessoas a fazer uma “loucura”. Esta tal “loucura” se dava em fazer uma encenação com um de seus amigos em um metro ou ônibus. Isso deu o maior fuzuê. Em pouco tempo, a timeline do Facebook se encheu de postagens repudiando essa atitude do Pr. Lucinho. E isso se espalhou em todas as redes sociais. Fizeram vídeos no youtube, gravaram áudios, enfim, gritaram pro mundo inteiro ouvir: O Pastor Lucinho é um herege! E essa iniciativa de denunciar essa atitude de Lucinho partiu em boa medida do meio reformado. No momento achei louvável essa atitude. Pensei que ainda existiam aqueles que não abandonaram os princípios bíblicos do evangelismo e denunciavam o erro, seja de quem for. Pois também acredito que o Pr. Lucinho pisou feio na bola, falou bobagem, e não tinha o que defender.


Mas quando eu começava a olhar o movimento reformado com um olhar mais de admiração, me vem esse episódio com os erros reformados. Sinceramente, esperei dos sites, blogs, canais de youtube, páginas de Facebook do meio reformado a mesma veemência em combater estes terríveis erros. Pra fazer justiça, o blog Bereianos¹ fez uma postagem se posicionando contra a interpretação do Pr. Marcos Granconato. Mas esse silêncio evidenciou a real intenção da maioria dos reformados: Engajar recrutas para o quartel reformado, expondo o erro alheio e colocando para debaixo do tapete os seus próprios.


Esse episódio serviu para evidenciar a hipocrisia reformada, que no afã de mostrar a imponência de sua teologia frente às demais, se esquecem de primeiro remendar os buracos causados pelos seus maiores representantes no Brasil. Lembramos as palavras do nosso mestre Jesus: "Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, estando uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão." (Mateus 7:4,5). Esse texto se encaixa perfeitamente com esse episódio.


Isso me preocupa bastante, e gera muito pesar em meu coração, pois saber desta verdade a respeitos dos reformados me causa muita tristeza, porque tenho uma estima elevada e uma admiração considerável pelos tais, apesar de discordar em boa medida de sua teologia. Falo isso com muito amor pelos irmãos reformados, para que urgentemente se posicionem contra esses erros e expulsem para fora de seu arraial toda e qualquer heresia, seja ela proferida por quem for, do mais renomado e conhecido ao menos famoso.



1 https://bereianos.blogspot.com.br/2016/06/a-perigosa-interpretacao-de-mateus-2436.html, visitado em 07/07/2016, às 16:57h.






Por: Carlos Augusto Vailatti




O presente artigo tem o objetivo de apresentar de forma sucinta as três principais interpretações tradicionalmente dadas ao texto bíblico de Mateus 11:20-24, passagem esta que aborda o juízo de Jesus pronunciado contra as três cidades impenitentes judias de Corazim, Betsaida e Cafarnaum. Afinal, de que trata esse texto bíblico? Da presciência de Jesus da fé das cidades gentílicas de Tiro, Sidom e Sodoma, que, não obstante, não lhes proporcionou nenhuma salvação, ou do emprego de meras figuras de linguagem? Buscaremos responder a estas perguntas ao longo desse breve estudo. Porém, a fim de ambientarmos o leitor no assunto, convém citarmos antes o texto bíblico em questão:


20 Então Jesus começou a denunciar as cidades em que havia sido realizada a maioria dos seus milagres, porque não se arrependeram. 21 “Ai de você, Corazim! Ai de você, Betsaida! Porque se os milagres que foram realizados entre vocês tivessem sido realizados em Tiro e Sidom, há muito tempo elas se teriam arrependido, vestindo roupas de saco e cobrindo-se de cinzas. 22 Mas eu afirmo que no dia do juízo haverá menor rigor para Tiro e Sidom do que para vocês. 23 E você, Cafarnaum, será elevada até ao céu? Não, você descerá até o Hades! Se os milagres que em você foram realizados tivessem sido realizados em Sodoma, ela teria permanecido até hoje. 24 Mas eu afirmo que no dia do juízo haverá menor rigor para Sodoma do que para você”. (Mateus 11:20-24 – NVI).


Essa narrativa mateana acerca das assim chamadas “cidades impenitentes” – também encontrada no texto paralelo de Lucas 10:13-15 – nos apresenta o registro de um dos episódios mais intrigantes e disputados de todo o Novo Testamento. De modo geral, pelo menos três interpretações distintas têm sido dadas a essa passagem bíblica no intuito de elucidar o seu real significado. Eis as interpretações: (1) Conhecimento Médio, (2) Ironia e (3) Hipérbole. Analisaremos, a seguir, a cada uma delas, e, ao término desse breve artigo, buscaremos chegar a um veredicto sobre qual parece ser a interpretação provavelmente mais adequada. Comecemos pelo conhecimento médio.


(1) Mateus 11:20-24: Um Caso de “Conhecimento Médio”


Em termos filosóficos, podemos definir “conhecimento médio” ou “conhecimento contingente” da seguinte maneira:


[Deus] não somente conhece o que qualquer indivíduo ou grupo fez, está fazendo ou fará, mas Ele também conhece o que eles teriam feito sob diferentes circunstâncias; e Ele leva este conhecimento em consideração no juízo final.i


Em outras palavras, o conhecimento médio é aquele aspecto da onisciência divina por meio do qual Deus possui conhecimento tanto dos acontecimentos reaisdo passado, presente e futuro, quanto dos acontecimentos contingentes, isto é, daquilo que teria ocorrido mediante condições distintas.


Segundo Ferreira e Myatt, “em Mateus 11.23, Jesus disse que se Sodoma tivesse visto os milagres feitos em Cafarnaum, ela não teria sido destruída, insinuando que ela se arrependeria dos seus pecados” e, portanto, esses autores concluem que esse texto bíblico estaria apresentando “um exemplo claro do chamado conhecimento médio da parte de Deus”.ii Mais adiante, ao discorrerem sobre a doutrina da eleição, Ferreira e Myatt tecem uma crítica à perspectiva arminiana da eleição condicional, isto é, a crença de que Deus elege as pessoas para a salvação com base na fé prevista. Tal crítica é fundamentada em Mt 11:20-24:


[...] Deus tem conhecimento de todas as escolhas de todas as pessoas em todos os mundos possíveis, e não apenas no mundo que existe. Notamos a declaração de Jesus, de que se tivessem sido feitos os milagres em Sodoma e Tiro que foram feitos em Cafarnaum e Betsaida, o povo daquelas cidades teria se arrependido. Evidentemente, Deus, por sua presciência e conhecimento de tudo, sabia que essas pessoas receberiam a salvação se lhes tivesse sido oferecida (Mt 11.20-24). Mas por que, então, a salvação não lhes foi oferecida? Por que Deus não enviou ninguém para pregar e fazer os milagres necessários para conseguir a salvação deste povo, se é verdade que Deus dá tal oportunidade a todos que ele sabe que o receberiam? Parece que este exemplo não se encaixa com a interpretação arminiana da eleição.iii


As objeções de Ferreira e Myatt são fortes e, portanto, não devem ser ignoradas. Entretanto, antes de examiná-las, devemos mencionar também a opinião de Granconato sobre o assunto, visto que este autor compartilha pensamento semelhante sobre a interpretação de Mt 11:20-24. Granconato, de forma bastante pretensiosa, declara:


Finalmente, para demolir de vez a doutrina [arminiana] de que Deus elege quando antevê a fé, o Novo Testamento apresenta pelo menos uma passagem em que Jesus dá indícios de que Deus age até mesmo de modo oposto, ou seja, ele prevê a fé e ainda assim não salva. O texto que aponta para isso é Mateus 11.21-24.iv


Em seguida, dando prosseguimento ao seu projeto de “demolição” da doutrina arminiana da eleição condicional, Granconato argumenta:


[...] ele [Jesus] afirmou que os habitantes de Tiro, Sidom e Sodoma se arrependeriam caso vissem e ouvissem o que aquelas cidades rebeldes da Galileia testemunharam diante do ministério messiânico. Porém, mesmo antevendo-lhes a fé e o imediato quebrantamento, Jesus jamais manifestou àquelas cidades a mesma carga de poder e glória que manifestou a Corazim, Betsaida e Cafarnaum e sequer lhes dirigiu um convite à salvação. Isso mostra de forma cabal que a eleição não depende da fé prevista.v


Bem, depois de ouvirmos todos esses argumentos, algumas considerações merecem ser feitas.


(1) Embora concordemos com Ferreira e Myatt quanto ao fato de Deus possuir aquilo que é chamado de “conhecimento médio”, contudo, isso não significa que tal assunto deva necessariamente ser pressuposto em Mt 11:20-24. Aliás, como teremos a oportunidade de ver posteriormente, há boas razões para não adotarmos tal ponto de vista aqui. Desse modo, dizer que Jesus “prevê a fé e ainda assim não salva” é uma afirmação que não pode ser inferida claramente da perícope bíblica mencionada, por motivos que se tornarão claros ao longo do presente artigo.


(2) Não é verdade que “a salvação não foi oferecida” e que Jesus “sequer dirigiu um convite à salvação” aos habitantes de Tiro e Sidom, assim como não é correto dizer também que milagres não foram realizados nessas localidades. O testemunho do Novo Testamento parece apontar para outra direção. Lemos, por exemplo, nos Evangelhos, que Jesus “retirou-se para os lados de Tiro e Sidom”, onde efetuou o exorcismo na filha de uma mulher cananeia/siro-fenícia (cf. Mt 15:21-28 // Mc 7:24-30). Além disso, Marcos registra que durante o ministério itinerante de Jesus, “dos arredores de Tiro e de Sidom uma grande multidão, sabendo quantas coisas Jesus fazia, veio ter com ele” (Mc 3:8). No contexto imediato dessa passagem, é dito que curas e exorcismos acompanharam o encontro de Jesus com aquelas pessoas (cf. Mc 3:10-11). Lucas também relata em seu Evangelho que em uma determinada ocasião, Jesus estava em uma planície “onde se encontravam muitos discípulos seus e grande multidão do povo, de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sidom” (Lc 6:17). Tais indivíduos “vieram para o ouvirem e serem curados de suas enfermidades” (Lc 6:18). Finalmente, Lucas registra no livro de Atos que Paulo, ao chegar à região de Tiro durante uma de suas viagens missionárias, encontrou ali alguns discípulos (At 21:3-4). Some-se a isso ainda as seguintes constatações históricas. Segundo Comfort, igrejas foram estabelecidas nas cidades de Tiro e Sidom durante o I século d.C.vi e, de acordo com Hendriksen, “no segundo século d.C., se estabeleceu um bispado para o povo de Tiro e vizinhança”,vii o que só poderia ser explicado pelo fato de tais regiões terem recebido a mensagem do Evangelho. E Hinson, por sua vez, ao discorrer sobre o avanço do Cristianismo no IV Século d.C., nos fornece as seguintes informações:


O Cristianismo obteve uma mais forte possessão na Fenícia, particularmente em cidades costeiras com a população em grande parte grega. Onze bispos da Fenícia – Tiro, Ptolemaida, Damasco, Sidom, Trípoli, Paneas, Berito (Beirute), Palmira, Alassus, Emesa e Antarado participaram do Concílio de Niceia.viii


De acordo com essa declaração, Tiro e Sidom foram cidades tão importantes para o Cristianismo do IV Século, que chegaram até mesmo a conceder bispos para o importante Concílio de Niceia. Portanto, diante desses dados bíblicos e históricos, só podemos concluir que não somente a mensagem da salvação foi pregada como também diversos milagres foram operados nas regiões de Tiro e Sidom. Tais fatos explicam adequadamente o porquê da presença do Cristianismo nessas regiões séculos depois do período bíblico ter encerrado.


(3) O fato de Jesus ter escolhido a dedo justamente as cidades gentílicas de Tiro, Sidom e Sodoma, a fim de contrastá-las com as cidades judias de Corazim, Betsaida e Cafarnaum, não sugere o exercício da presciência da fé num hipotético contexto de conhecimento médio ou contingente. Antes, o emprego deliberado dessas cidades parece assinalar outra verdade, conforme ficará patenteado nos próximos dois itens.


(2) Mateus 11:20-24: Um Caso de Ironia


Pode-se definir “ironia”, em termos de figura de linguagem, como um “tipo de discurso em que uma pessoa diz uma coisa, mas pretende [dizer] outra”.ix Segundo Patzia e Petrotta, “o perigo da ironia é ela não ser notada” e, por conseguinte, “para ser capaz de encontrar ironia em um texto, o leitor deve ser capaz de confiar no que é dito e discernir o motivo pelo qual o que foi dito não é o que se pretende dizer”.x Após tais informações, uma pergunta surge: mas, será que Jesus teria empregado a ironia em sua censura dirigida às cidades impenitentes de Corazim, Betsaida e Cafarnaum? Jarvis e Johnson respondem a essa questão afirmativamente, explicando Mt 11:20-24 nesses termos:


Através de uma óbvia inversão e, talvez, tirando proveito de estereótipos culturais para sublinhar a ironia de seu ponto, Jesus afirma que as cidades gentílicas de Tiro e Sidom teriam sido mais responsáveis à sua missão e ministério do que Corazim, Betsaida e Cafarnaum haviam sido.xi


Dowel aprofunda ainda mais a questão, explicando a importância que a ironia exerce na narrativa mateana, e, mais precisamente, no contexto de Mt 11:20-24:


Ele [Jesus] repercute um comum, mas irônico tema do Evangelho, a ironia do gentio exibindo maior fé do que o judeu. [...] A ironia aqui, [...] serve para acentuar um ponto: os judeus, apesar de sua tradicional crença no Messias, estão rejeitando-o, enquanto os gentios, que não têm tal crença tradicional, estão aceitando-o.xii


Essas ponderações nos ajudam a elucidar o sentido da declaração irônica de Jesus em Mateus 11:20-24, a partir do tema do “gentio crente” versus “judeu incrédulo” que funciona como um leitmotiv ao longo de todo o Evangelho de Mateus. A tabela abaixo nos auxiliará a exemplificar este ponto:
O Tema do “Gentio Crente” versus “Judeu Incrédulo” no Evangelho de Mateus

O “gentio crente”
O “judeu incrédulo”

- A fé do centurião de Cafarnaum (Mt 8:5-9);

- A fé dos gentios (Mt 8:11);

- A fé de Tiro, Sidom e Sodoma (Mt 11:21,23);

- Os ninivitas crentes (Mt 12:41);

- A rainha do meio-dia (Mt 12:42);

- A fé da mulher cananeia (Mt 15:21-28);

- A fé do centurião romano (Mt 27:54).
- A incredulidade de Israel (Mt 8:10);

- A incredulidade dos judeus (Mt 8:12);

- A incredulidade de Corazim, Betsaida e Cafarnaum (Mt 11:20-21,23);

- A geração má e adúltera (Mt 12:38-40);

- A geração da época de Jesus (12:42);

- As ovelhas perdidas de Israel (Mt 15:24);

- A incredulidade dos sacerdotes, escribas, 
anciãos e fariseus (Mt 27:41-43).





Essa lista de contrastes entre a postura dos gentios e judeus com relação à pessoa de Cristo, nos permite avaliar melhor toda a questão. Assim, Jesus, em Mt 11:20-24, valendo-se da ironia, contrasta deliberadamente três cidades gentílicas, Tiro, Sidom e Sodoma, com três cidades galileanas e, portanto, judias, a saber, Corazim, Betsaida e Cafarnaum.xiii Através de tal contraste, Mateus não pretende dizer que Jesus, por meio de seu conhecimento médio, teria previsto a reação de fé de Tiro, Sidom e Sodoma, mas, ainda assim, não quis salvá-las. O que Jesus quis dizer, dando continuidade ao tema mateano do “gentio crente” versus “judeu incrédulo”, e, valendo-se de uma linguagem meramente hipotética, é que até mesmo os gentios mais ímpios – exemplificados por Tiro, Sidom e Sodoma – teriam reagido bem melhor do que os seus compatriotas judeus, caso estivessem no lugar deles e tivessem ouvido a sua mensagem e testemunhado os seus milagres. Como bem pontuou Fridrichsen, “era necessário que o exemplo de estrangeiros que estavam a encher Israel de vergonha, assumisse a forma hipotética”,xiv a fim de chocar os judeus, fazendo-os cair em si devido a enormidade de seu pecado.


Bem, mas o uso da ironia diante de uma situação tão grave – a incredulidade de três cidades judias – não poderia depor contra a autenticidade da reprimenda de Jesus, tornando, inclusive, a sua advertência ineficaz? Segundo König, não, uma vez que “os escritores bíblicos não tinham medo de prejudicar a seriedade de suas declarações ao recorrer à ironia, nem havia qualquer razão para ter medo, vendo que todo mundo sabia converter essas expressões irônicas no seu [significado] contrário”.xv


Por enquanto, a perspectiva interpretativa da ironia, ao que nos parece, retrata mais adequadamente o teor de Mateus 11:20-24 do que a teoria do conhecimento médio.


(3) Mateus 11:20-24: Um Caso de Hipérbole


Finalmente, o pronunciamento de Jesus dirigido às cidades impenitentes de Corazim, Betsaida e Cafarnaum também tem sido compreendido como um caso de linguagem hiperbólica. Segundo Zuck, “uma hipérbole é um exagero deliberado, em que se diz mais do que o significado literal, a fim de acrescentar ênfase”.xviEmbora a natureza exagerada da hipérbole contenha dentro de si as sementes da ironia, como observou Sharp,xvii confundindo-se às vezes com esta, optamos por tratar essas duas figuras de linguagem separadamente como duas entidades distintas, mas não necessariamente mutuamente excludentes.


Voltemos ao texto bíblico. De acordo com Craig, “a passagem em Mateus 11 é provavelmente uma hipérbole religiosa destinada apenas a sublinhar a intensidade da depravação das cidades nas quais Jesus pregou”.xviii Essa informação é deveras curiosa, especialmente por sair da pena de um teólogo molinista. Bird, por seu turno, chama a censura de Jesus direcionada às cidades judias de “observação hiperbólica”.xix Por fim, Davies e Alisson entendem que em Mt 11:20-24, “Jesus, com a hipérbole de um profeta, está exclamando que os judeus falharam em responder aos fenômenos que teriam persuadido até mesmo aos pagãos, – e, além do mais, mesmo aos pagãos notáveis”.xx


Diante de tais dados, podemos chegar a, pelo menos, duas conclusões:


(1) Jesus, ao comparar as cidades judias impenitentes de Corazim, Betsaida e Cafarnaum com três das piores cidades gentílicas, hipoteticamente “arrependidas”, somente menciona estas últimas a fim realçar a gravidade do pecado das primeiras, visto que “as cidades gentílicas de Tiro, Sidom e Sodoma [...] se tornaram símbolos bíblicos de maldade absoluta”.xxi Portanto, Jesus espera que a sua comparação propositalmente exagerada conscientize os seus compatriotas incrédulos, fazendo-os enxergar a enormidade de seu pecado e possibilitando-lhes, assim, o arrependimento.


(2) A pergunta retórica de Jesus dirigida a Cafarnaum, na expressão “E você, Cafarnaum, será elevada até ao céu? Não, você descerá até o Hades!” (Mt 11:23), emprega uma linguagem hiperbólica a fim de ecoar a queda do rei da Babilônia, descrita em Is 14:13-15. Tal linguagem deliberadamente exagerada segue o tom hiperbólico de toda a perícope bíblica em estudo.


Conclusão


Ao término de nosso artigo e, depois de termos apresentado as três principais interpretações dadas ao texto de Mt 11:20-24, podemos obter as seguintes conclusões.


(1) Embora reconheçamos o “conhecimento médio”, como um dos atributos incomunicáveis de Deus, todavia, não encontramos nenhuma boa razão para imaginarmos que Mateus 11:20-24 esteja se referindo a ele.


(2) O contexto imediato de Mateus 11:20-24 apresenta Jesus fazendo um convite amplo e irrestrito aos pecadores em geral, dizendo-lhes: “Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei” (Mt 11:28). Ora, esse tipo de convite abrangente (a “todos” os cansados e oprimidos) seria inadequado se tivesse sido proferido por alguém que anteviu a fé de certas pessoas, mas, mesmo assim, deliberadamente não quis salvá-las, como supõe a hipótese do conhecimento médio. Em outras palavras, a suposta retenção seletiva da salvação às cidades de Tiro, Sidom e Sodoma não se coadunaria com a oferta de “descanso para as almas” (Mt 11:29) disponibilizada a “todos os cansados e oprimidos” (Mt 11:28). Assim, o Jesus que exibe um hipotético conhecimento médio em Mt 11:20-24 se parece muito pouco com o Jesus que, logo em seguida, oferece a “todos” o descanso para a alma (Mt 11:28-30).


(3) A passagem por nós estudada parece exibir uma linguagem figurada dupla, irônica-hiperbólica. Por conter ironia, tal linguagem pretende dizer sutilmente algo diferente do que foi dito; e, simultaneamente, por conter hipérbole, intenciona exagerar deliberadamente o relato bíblico, com o intuito de sublinhar um determinado ponto. Desse modo, três cidades gentílicas ímpias, emblemáticas do pecado e, portanto, bastante presentes no imaginário popular judaico (Tiro, Sidom e Sodoma) são empregadas como ilustrações pujantes da incredulidade de três cidades judias (Corazim, Betsaida e Cafarnaum).


(4) As três cidades gentílicas ímpias de Tiro, Sidom e Sodoma, bem como o seu hipotético e surpreendente “arrependimento”, foram imagens escolhidas a dedo por Jesus, a fim de confrontar e chocar a sua audiência judia incrédula. Tal contraste estabelecido entre gentios crentes e judeus incrédulos, como já visto, funciona como um fio condutor que atravessa boa parte do livro de Mateus. Portanto, ao empregar ilustrações tão vigorosas quanto aquelas presentes em Mt 11:20-24, Jesus estava querendo dizer aos seus compatriotas judeus: “nem mesmo as cidades gentílicas mais ímpias que vocês conhecem teriam se comportado tão incredulamente como vocês!”.


(5) Por fim, parece que a pretensão de demolir de vez a doutrina arminiana da eleição condicionada à fé prevista, terá que ser adiada, visto que Mt 11:20-24 não se presta a tal expediente. Se os calvinistas almejam desconstruir a doutrina bíblica da eleição condicional, eles terão que escolher outra passagem das Escrituras que lhes sirva claramente de apoio para esse fim.


i CARSON, D. A. God With Us: Themes From Matthew. Eugene, Wipf and Stock Publishers, 1995, p.66. O acréscimo entre colchetes é nosso.


ii FERREIRA, Franklin & MYATT, Alan. Teologia Sistemática: Uma Análise Histórica, Bíblica e Apologética para o Contexto Atual. São Paulo, Vida Nova, 2007, p.340. Carson também entende que Mt 11:20-24 apresenta um caso de “conhecimento médio”. (Cf. CARSON, D. A. God, the Bible and Spiritual Warfare: A Review Article. [Journal of the Evangelical Theological Society | 42/2]. Louisville, Evangelical Theological Society Press, 1999, p.261). Veja ainda a interpretação de Calvino sobre Mt 11:20-24: CALVIN, John. Commentary on Matthew, Mark, Luke. [Volume 2]. Grand Rapids, Christian Classics Ethereal Library, S/d., pp.21-24.


iii Idem, Ibidem, p.751.


iv GRANCONATO, Marcos. Fundamentos da Teologia do Novo Testamento. São Paulo, Mundo Cristão, 2014, p.136. O acréscimo entre colchetes é nosso.


v Idem, Ibidem, p.137. O acréscimo entre colchetes é nosso.


vi COMFORT, Philip Wesley. Encountering the Manuscripts: An Introduction to New Testament Paleography & Textual Criticism. Nashville, Broadman & Holman Publishers, 2005, p.44.


vii HENDRIKSEN, William. Mateus. (Volume 1). [Trad. Valter Graciano Martins]. São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2001, p.702, cf. nota.


viii HINSON, E. Glenn. The Church Triumphant: A History of Christianity Up To 1300. Macon, Mercer University Press, 1995, p.79.


ix HOLMGREN, Frederick C. The Old Testament and the Significance of Jesus: Embracing Change – Mantaining Christian Identity. Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Company, 1999, p.90. O acréscimo entre colchetes é nosso.


x PATZIA, Arthur G. e PETROTTA, Anthony J. Dicionário de Estudos Bíblicos. [Trad. Pedro Wazen de Freitas]. São Paulo, Editora Vida, 2003, p.84.


xi JARVIS, Cynthia A. & JOHNSON, E. Elizabeth. [Eds.]. Feasting on the Gospels: Matthew, Volume 1, Chapters 1-13. [A Feasting on the Word Commentary]. Louisville, Westminster John Knox Press, 2013, p.293.


xii DOWELL, Bob. Understanding the Bible: Head and Heart: Part Two: Matthew Through Acts. Maitland, Xulon Press, 2011, p.210. O acréscimo entre colchetes é nosso.


xiii Hendriksen interpreta a frase “E você, Cafarnaum, será elevada até ao céu?” (Mt 11:23) como uma ironia. Segundo ele, “trata-se de ironia, pois Cafarnaum espera exatamente ser assim exaltada”. (Cf.HENDRIKSEN, William. Mateus. (Volume 1). [Trad. Valter Graciano Martins]. São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2001, p.703).


xiv FRIDRICHSEN, Anton. The Problem of Miracle in Primitive Christianity. Minneapolis, Augsburg Publishing House, 1972, p.75.


xv KÖNIG, Ed. Style of Scripture. In: HASTINGS, James. [Ed.]. A Dictionary of the Bible. [Volume V | Supplement Part One: Articles]. Honolulu, University Press of the Pacific, 2004, p.164. O acréscimo entre colchetes é nosso.


xvi ZUCK, Roy B. Basic Bible Interpretation: A Practical Guide to Discovering Biblical Truth. Colorado Springs, David C. Cook, 1991, p.154.


xvii SHARP, Carolyn J. Irony and Meaning in the Hebrew Bible. Bloomington and Indianapolis, Indiana University Press, 2009, p.257, nota 58.


xviii CRAIG, William Lane. The Only Wise God: The Compatibility of Divine Foreknowledge and Human Freedom. Eugene, Wipf and Stock Publishers, 2000, p.137, nota 1.


xix BIRD, Michael F. Jesus and the Origins of the Gentile Mission. [Library of New Testament Studies]. London and New York, T&T Clark International, 1988, p.63.


xx DAVIES, W. D. & ALISSON, D. C. Matthew 8-18. (Volume II). [International Critical Commentary]. London and New York, T&T Clark International, 1991, p.267.


xxi BORING, M. Eugene & CRADDOCK, Fred B. The People’s New Testament Commentary. Louisville, Westminster John Knox Press, 2009, p.53.







Por: Lucas Martins

"E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição" (2 Pedro 2:1). Alguns irmãos defendem que é impossível Cristo ter morrido por alguém e este alguém se perder. Agora, parece que o texto de 2Pedro aponta exatamente para essa possibilidade, já que um grupo de hereges por quem Cristo teria morrido aparentemente negaram o seu Salvador e se perderam. Então, alguns calvinistas sugerem algumas interpretações para esse texto, e uma elas que vi recentemente é esta: AQUELES que estão entre VOCÊS rejeitaram o Senhor que resgatou VOCÊS, e ELES se perderam. Isso porque, se Cristo de fato resgata alguém, no calvinismo, essa oferta não pode ser negada. Se o texto de 2Pedro 2 disser mesmo que Cristo resgatou até mesmo estes que perecem, então toda a doutrina calvinista da “expiação limitada” cai. Eis a questão: o Senhor resgatou aqueles homens que o negaram e pereceram? Resgatou ou não resgatou? A gramática do texto grego aponta que sim, Cristo morreu também pelos que perecem. Há algumas excelentes razões para defender essa ideia. Vejamos o texto: "E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós (en hymin, 2.ª Pessoa, Dativo) haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os (autous, 3.ª Pessoa, Acusativo) resgatou (Acusativo), trazendo sobre si mesmos repentina perdição".
1 - O "resgatou" está no caso acusativo assim como "autous" (eles), e não no caso dativo como "en hymin" (em/entre vós). Só por ser o mesmo caso, já dá pra ver que o "resgatou" se refere a eles. Pedro fala "resgatou ELES" (autous) e não "resgatou VOCÊS" (hymin). A interpretação calvinista diz: "ELES negaram o Soberano que resgatou VOCÊS", mas o texto diz: "ELES negaram o Soberano que OS resgatou [que resgatou ELES] (agorasanta autous)”.
2 - "Autous" e "hymin" não apenas estão em casos diferentes, mas são PESSOAS diferentes. Pedro se refere à igreja falando “vós”, e aos outros falando “eles”. Autous é terceira pessoa (eles). Hymin é segunda pessoa (vós). Ou seja, não é possível interpretar o “autous” como se ele fosse o mesmo pronome “hymin” que aparece lá em cima. Pedro diz "OS resgatou" e não "VOS resgatou". A diferença é sutil, mas uma boa teologia precisa ser rigorosa no trato com o texto bíblico.
3 - Em grego, assim como em português, existe essa regra básica: "o pronome concorda com o antecedente em gênero e número". Por exemplo, na frase “Eu amo Fulana. Eu a amo.”, o pronome “a” tem que concordar com o antecedente “Fulana” em gênero e número, que no caso é Feminino Singular. Por outro lado, aqui no texto bíblico, estamos procurando qual é o antecedente do pronome “autous". Ele está no MP (Masculino Plural), então temos que ver simplesmente quais antecedentes também estão MP e aí a gente mata a charada.
Leiamos o texto novamente: "E também houve entre o povo falsos profetas (MP), como entre vós (-P) haverá também falsos doutores (MP), que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os (MP) resgatou, trazendo sobre si mesmos (MP) repentina perdição".
Bem, quem foram os resgatados pelo Senhor? "Vós"? Claro que não, porque o pronome deve concordar em gênero e em número, e "vós" nem gênero tem! Os resgatados pelo Senhor são aqueles que também estão no Masculino Plural: falsos profetas, falsos doutores e aqueles que trouxeram sobre si a perdição. Por que as pessoas são condenadas? Porque Deus não quis salvá-las ou porque elas rejeitaram a salvação oferecida (Jo 1:11-12, 3:14-19, Rm 9:30-33)? Podemos dizer que aqueles falsos mestres se perderam não porque lhes faltou resgate, mas porque eles negaram o Soberano que os resgatou (a palavra para “resgatou” é tipicamente salvífica, também usada em 1Co 6:20 e Ap 5:9). Sendo assim, usar esse texto para defender uma “expiação limitada” gera mais problemas do que soluções. Confiantemente, podemos dizer que Cristo morreu por todos (Hb 2:9, 1Tm 2:3-6, 1Jo 2:2), inclusive pelos que perecem (2Pe 2:1, Rm 14:15).

Referências: 
Aprendendo o Grego do Novo Testamento, Philip Dunaway



Por: Janderson Torres

Tradução de trechos: Luiz Henrique






Matéria sensacional sobre o "avivamento calvinista" norte-americano. Será que vemos alguma relação com o que está acontecendo no Brasil?¹


Trechos: "Um dos marcadores do movimento neo-calvinista é o isolacionismo. Os meus amigos reformados consomem blogs calvinistas, livros calvinistas, assistem a conferências calvinistas, e juntam-se a igrejas calvinistas com pregadores calvinistas. Eles raramente aprendem ou se envolvem com aqueles que estão fora de sua tradição...."


"Outra tendência preocupante que vejo no movimento [neo-calvinismo] é o tribalismo. Esta é a tendência de parentesco dentro de um grupo para proteger os de dentro enquanto luta contra os de fora."


"...Tribalistas tentam 'limpar a casa' quando se trata de pessoas de fora, mas "varrer para debaixo do tapete" quando se trata dos de dentro."


"Como Roger Olson, professor da Universidade de Baylor e autor de 'Contra o Calvinismo', me disse, '[Neo-calvinistas são] uma tribo, e eles fecharam fileiras. De alguma forma, eles formaram uma mentalidade que eles têm de apoiar uns aos outros, porque eles são uma minoria em uma cruzada. Qualquer crítica fere a causa. Eu vi a mesma coisa entre as feministas e teólogos negros'."


"Há um ethos fundamentalista no [neo-Calvinismo]", diz Olson. 'Você recebe tapinhas nas costas e méritos por criticar os de fora, mas não por criticar os de dentro. Há um sistema em que se você é um jovem chegando nas fileiras, você ganha pontos por criticar ou expor aqueles que estão fora do movimento, mas não é o seu dever criticar aqueles que estão acima de você no próprio movimento'."


"A perspectiva de muitos hoje é que se você não é um calvinista, você realmente não tem uma compreensão do evangelho", diz Olson.






Vale a pena dar uma conferida na matéria completa e fazer suas comparações com o Movimento reformado no Brasil.




1- http://religionnews.com/2014/05/20/troubling-trends-americas-calvinist-revival/, acessado em 07/07/2016, às 17:34h.


Por: Janderson Torres


"Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus." João 17:9


Dentre vários textos usados pelos calvinistas para defender uma redenção particular e exclusiva dos eleitos, esse texto é um dos mais mal empregados por tais. Admira-me o fato de os calvinistas serem conhecidos por uma boa teologia e serem dedicados na exegese bíblica, carregarem o lema “SOLA ESCRIPTURA” consigo, e ainda assim, fazerem uma completa eisegese desta passagem.

Segundo as regras de interpretação bíblica, esse texto NUNCA poderia ser usado para tecer algum comentário sobre EXPIAÇÃO. Não há nada, nem neste texto, nem no contexto do capítulo, que nos indique que Jesus está tratando sobre os benefícios e o alvo de sua morte vicária. O que de fato esse texto está tratando? 

Acho que qualquer leitor bíblico (sem os óculos calvinistas) traria o real sentido desta passagem numa leitura breve, onde a chave para o entendimento estaria logo no início da frase: “Eu rogo...”. Está bem claro qual é o tema desta passagem, a saber – A ORAÇÃO de Jesus em favor dos seus escolhidos – veja bem: A ORAÇÃO e não A EXPIAÇÃO de Jesus pelos seus escolhidos. Até agora não sei como, por conta desta oração, alguém poderia chegar à conclusão que Jesus morreu APENAS pelos eleitos. Talvez aos que se propõem a fazer esse link, faça uma verdadeira cambalhota exegética. Mas, digamos que essa afirmativa seja verdadeira, que o simples fato de Jesus ter orado pelos eleitos, concluamos que a sua morte foi em favor apenas destes. Então temos uma regra simples: Todos aqueles em que foram alvo das orações de Jesus são os beneficiários da sua morte. O que os Calvinistas não percebem é que Jesus também orou pelos NÃO ELEITOS. Ainda agonizando o sofrimento da cruz, Jesus diz: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” Lucas 23:34a. A pergunta que fica é: quem era o alvo desta oração de Jesus? A resposta óbvia é que o alvo desta oração eram aqueles que crucificaram injustamente a Cristo. Lembrando-se da regra que mencionei logo acima, que todos aqueles em que foram alvo das orações de Jesus são os beneficiários da sua morte, nesta perspectiva temos duas alternativas: 1- Os que participaram direta ou indiretamente da injusta crucificação de Jesus eram eleitos também. 2- A morte de Jesus, por conta desta oração, foi também em favor dos NÃO ELEITOS.


A primeira alternativa é descartada logo de cara, pois bem sabemos que aqueles que cometeram essa injustiça com Jesus não faziam parte do grupo de eleitos, pois os mesmos rejeitaram ao Senhor Jesus. O que nos resta então é a segunda opção, de que o fato de Jesus ter orado por pessoas que não fazem parte dos eleitos, fazem estes, alvos de sua morte. Percebam que se os calvinistas levarem até as últimas consequências essa lógica terão também que trabalhar com a ideia de que Jesus morreu também pelos não Eleitos.

Como vemos, a interpretação calvinista deste texto é completamente anômala, comete sérios erros de interpretação e depõe contra sua própria posição.

Vale ressaltar também, que ao fazer essa interpretação, os calvinistas fazem um paralelo antagônico entre os eleitos (expresso no texto “[... por eles...], [... aqueles a quem tu me deste] e [... teus]”.) e os não eleitos (expresso no texto pelo termo “mundo”), usando abertamente a expressão “mundo” como os réprobos. É curioso notar que nas suas epístolas, o Apóstolo João faz também os mesmos paralelos entre os eleitos, expresso pelo termo “os seus” e o "mundo". Por exemplo: “Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo está no maligno.” (1 João 5:19). João nitidamente faz um paralelo entre aqueles que são de Deus e aqueles que são do mundo. E entendemos que aqueles que são de Deus, como os eleitos e os que são do mundo como os não eleitos. Temos outro exemplo: “Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai, que fôssemos chamados filhos de Deus. Por isso o mundo não nos conhece; porque não o conhece a ele.” (1 João 3:1). Mais uma vez, esse paralelo para João é bem perceptivo aos nossos olhos em que nesses casos, onde há esse paralelo, mundo significa NÃO ELEITOS, mas até aqui tudo bem para os calvinistas. A coisa começa a ficar complicada quando vamos para a mesma epístola de 1João, mais precisamente no segundo capítulo, lemos: “E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo.” (1 João 2:2). Acompanhando a coerência e o uso de João do termo “mundo”, fica fácil de entender e de interpretar esse texto. Se toda vez que acontece esse paralelo entre “mundo” (não eleitos) e “nós” (eleitos), entendemos que Jesus é a propiciação não apenas dos “eleitos”, mas também dos “não eleitos”.

Fica incoerente para os calvinistas, aplicarem uma regra interpretativa em um caso (João 17:9) e no mesmo caso em (1João 2:2), aplicarem outra regra. Parece-nos bem aquele jargão: “Dois pesos e duas medidas”, essa expressão resume bem a interpretação calvinista deste texto. Por isso um calvinista que nega a expiação universal à luz de um texto como este teria que corromper o significado de “mundo”, de “todos” e de “não somente”. Em termos simples, teria que corromper tudo e esquecer este texto.

Antes que alguém me condene por fazer uma análise de texto em livros diferentes, usando textos do evangelho de João e o relacionando suas epístolas, gostaria de lembrá-los que esse tipo de relação não teria muita eficácia, caso os autores fossem diferentes e as épocas de escritas fossem diferentes, como não é o caso em questão. Mas essa relação é feita comumente com Paulo, quando estudamos algum assunto de suas epístolas, e vemos a ocorrência de algum termo em todas as suas epístolas para entendermos melhor o significado do termo. O estudo da ocorrência de termos, ás vezes é feita até com autores diferentes, como por exemplo: As obras e a justificação, a aparente contradição entre Paulo e Thiago. Quanto mais próximo do autor for esse estudo, melhor será para o intérprete. Enfim, precisamos entender como um autor atribui um termo em todas as suas epístolas, pois, se conseguirmos traçar um perfil dessa atribuição, certamente estamos enveredando por um caminho seguro na interpretação de um texto.


Por fim, fico com as palavras de Ambrósio, um dos pais da Igreja (340-407):
 “Cristo sofreu por todos, ressuscitou por todos. Mas se alguém não crê em Cristo, ele se priva deste benefício geral.” Ele também disse, “Cristo veio para a salvação de todos, e garantiu a redenção de todos, porquanto Ele trouxe um remédio pelo qual todos podem se salvar, embora haja muitos que… estão indispostos para serem curados”.