Por: Janderson Torres
Os relatos dos
evangelhos são de longe os documentos da antiguidade mais disputados e
comentados por especialistas de crítica textual ou de outras áreas acadêmicas,
não por falta comprovação histórica (em termos de manuscritologia, o Novo
Testamente é disparado o documento mais bem atestado da antiguidade) , mas pelo
calor que esse assunto gera entre o público em geral. Eles nada mais são do que
relatos precisos feitos por testemunhas oculares ou de quem esteve próximo a
estas testemunhas sobre os acontecimentos relacionados à pessoa de Jesus. O
problema (aparente) surge porque esses documentos foram escritos no mínimo cerca
de duas décadas após os eventos, tendo um período considerável entre os
acontecimentos e o registro escrito. Em outras palavras, após os acontecimentos
em torno da vida de Jesus, os discípulos e apóstolos se valeram apenas da Tradição
Oral para a transmissão do evangelho de Cristo. Até que então começaram a ser
escritos os primeiros relatos dos evangelhos de Cristo, isso dista cerca de vinte
a quarenta anos após a sua morte e ressurreição.
A partir disso,
céticos e críticos especulam que parte da originalidade e da essência das
palavras de Jesus foram perdidas devido ao método da tradição oral usado no
início da igreja e também pelos copistas, que anos mais tarde reproduziram os
escritos originais.
Certamente já ouvimos
falar ou já participamos da brincadeira do telefone sem fio, que começa com uma
primeira pessoa da fila, que cochicha no ouvido do amigo mais próximo uma
palavra ou frase. Este faz o mesmo com o seguinte, e assim por diante. O último
diz em voz alta o que entendeu, e a graça está aí: geralmente é bem diferente
daquilo que o primeiro falou.
Baseado nesta brincadeira, céticos a relacionam com os relatos dos evangelhos. Bart Erman faz a seguinte comparação:
Você ou seus filhos já brincaram de telefone sem fio em uma festa de aniversário? As crianças se sentam em círculo, e uma delas conta à seguinte, e assim por diante, até retornar à primeira criança. Ao fim, é uma história bem diferente (Se não fosse diferente, a brincadeira não faria muito sentido). Imagine brincar de telefone sem fio não com crianças da mesma classe socioeconômica, da mesma vizinhança, da mesma escola e idade, falante da mesma língua, mas brincar disso por quarenta anos ou mais, em diferentes países, diferentes contextos, diferentes idiomas. O que acontece às histórias? Elas mudam. ¹
Mas será mesmo que o
modo como foi guardado o tesouro da mensagem do evangelho no seu início depõe
contra ela mesma? Será que podemos usar a analogia da brincadeira do telefone
sem fio para tirar as mesmas conclusões que tiramos ao término da brincadeira?
Ou temos boas razões para crer que por meio da Tradição Oral a mensagem do
evangelho foi preservada com precisão e fidelidade?
A tentativa de
comparar a tradição oral da igreja primitiva com a brincadeira do telefone sem
fio se mostra infundada quando ela passa por uma análise minuciosa. O Dr. Craig
Blomberg, respondendo à pergunta de Lee Strobel sobre essa questão, faz a
seguinte observação:
Quem procura memorizar com atenção alguma coisa e só resolve passá-la adiante depois de ter certeza que a sabe de cor faz algo bem diferente do que a brincadeira do telefone-sem-fio propõe. Na brincadeira, boa parte da diversão se deve ao fato de que a pessoa talvez não tenha entendido direito a mensagem que lhe cochicharam, e a regra não lhe permite pedir à pessoa que repita a frase. Logo em seguida, a mensagem é passada adiante, sempre sussurrada, o que aumenta mais ainda a possibilidade de distorções pelo caminho. No fim das contas, depois de passar por todo o círculo, o resultado será engraçado, sem dúvida nenhuma.²
Diante dessa
necessária distinção, identificamos que os mecanismos da brincadeira do
telefone sem fio praticamente decretam que no fim, a mensagem original será
distorcida e esse é o seu propósito. Caso bem distinto da tradição oral, onde os
receptores da mensagem do evangelho tinham como princípio o perfeito
entendimento da mensagem recebida juntamente com o cuidado dos emissários em
transmitir aquilo que de fato pertenciam ao corpo de ensinos e relatos da
mensagem original de Jesus. Blomberg acrescenta:
Se fôssemos transportar a brincadeira para o contexto da comunidade do século I, teríamos de submetê-la aos seus critérios. Isso significa que cada pessoa repetiria em alto e bom som o que ouvira do vizinho e em seguida pediria ao primeiro que passara a informação que a confirmasse: "Está correto o que eu disse?". Se não estivesse, ele se corrigiria. A comunidade monitoraria constantemente a reprodução da mensagem e interferiria sempre que fosse preciso fazer alguma correção. Isso preservaria a integridade da mensagem. E o resultado seria muito diferente do da brincadeira infantil.³
Como vimos, essa
analogia está alicerçada sobre uma base muito frágil, onde ao primeiro vendaval
de questionamentos, ela se desmorona por completo. Mas como podemos ter certeza
que a Tradição oral da Igreja Primitiva foi um método eficaz para a preservação
da mensagem original de Cristo?
Temos no mínimo duas
principais razões para crer que por meio da tradição oral a mensagem original
do evangelho não foi alterada.
A primeira razão se dá
pelo fato desse método ser praticado a principio dentro de uma cultura judaica.
A cultura judaica é de longe a que mais se destaca quando o assunto é reter e
memorizar grandes porções de ensinos, pois desde muito cedo as crianças são
instruídas em suas casas, escolas e sinagogas a memorizar grandes partes da
Torá. Era natural para um judeu do I século, saber com exatidão o que a lei
mosaica dizia acerca de determinado tema, pois a tradição oral já fazia parte
de sua vida desde sua infância. Com exceção de alguns discípulos, todos os
demais, eram judeus, a cultura da tradição oral estava entranhada em suas vidas,
não era um novo método sendo inventado para guardar as verdades do evangelho. Talvez
por isso eles “demoraram” em registrar por escrito os acontecimentos
relacionados a Jesus, pois confiavam demais naquilo que estavam acostumados a
fazer.
Alguns podem argumentar dizendo que no judaísmo do século I eles tinham
um documento escrito com o qual podiam aferir sua tradição oral. Na verdade,
esse questionamento não passa de um anacronismo descabido, pois apesar de ser verdade que no judaísmo do
século I eles tinham um documento escrito para aferir sua tradição oral, não existia porém uma cópia da Torá em cada lar, como acontece nos dias
atuais com a bíblia sagrada. Os pergaminhos contendo todo o Antigo Testamento
ficavam nas sinagogas, pois não era barato se ter um pergaminho, não à toa que
só os ricos ou a elite daquele tempo possuíam pergaminhos e materiais para
escrita, coisa bem distinta dos tempos de hoje, onde o custo para possuir um
material de escrita é ínfimo. Isso só ressalta a importância de uma boa tradição
oral, pois eram raros os momentos em que teriam contato com o documento
escrito.
Além de a cultura
judaica ser a mais competente em guardar grandes informações através da
tradição oral, temos ainda uma razão muito mais relevante para crermos que a
originalidade do evangelho em nada se perdeu nesse período é o fato que o
próprio detentor da mensagem assegurou a todos que Ele enviaria “... O Consolador... para que...
ensinasse-lhes todas as coisas e LEMBRAR-LHES de tudo quanto vos tenho dito...”
(João 14:26) [grifo meu]. Isso joga muita luz ao nosso caso, pois Jesus nos disse
que Ele enviaria alguém para fazer-nos LEMBRAR DE TUDO que Ele disse e fez.
Isso é fantástico! Em outras palavras, não havia a menor possibilidade de perda
de alguma parte de seus ensinos, pois além de os discípulos e apóstolos estarem
com tudo o que viram ainda frescos em suas memórias, havia um recurso extra
para a manutenção destas memórias, O Consolador – O Espírito Santo – O Próprio
Deus. Ninguém melhor que o Dono da mensagem para assegurar que nada de seu
conteúdo irá se perder. Imagina que bom seria para um historiador poder contar
com esse recurso, de contar a história com a presença do objeto de seu relato
lhe auxiliando em quaisquer dificuldades a respeito dos fatos relacionados a
ele. Seria estupendo não?
Mas antes que alguém
me indague com a proposta de que esse argumento é inválido por se tratar de
algo sobrenatural, eu me antecipo dizendo que não se trata apenas de algo sobrenatural (como se o simples fato de o ser por si só invalidasse qualquer argumento), mas também de algo
histórico, pois a ressurreição e a ascensão de Jesus foram fatos históricos que
são muito bem embasados.
Não é o objetivo dessa
postagem aprofundar acerca do fato histórico da ressurreição de Jesus⁴, mas para uma completa compreensão do
argumento, preciso pincelar algumas palavras acerca da ressurreição. A ressurreição
de Jesus é a melhor hipótese para explicar os eventos do Túmulo vazio, as
aparições de Jesus e a origem da fé cristã. As explicações concorrentes à
ressurreição não se sustentam quando analisadas pelos critérios padrões
históricos, teorias como a Hipótese da Conspiração, Hipótese da morte aparente,
Hipótese da remoção do corpo, Hipótese da alucinação, não são capazes de
explicar satisfatoriamente através da análise históricas os fatos relacionados
à morte de Jesus. A única coisa que realmente impede a aceitação à teoria da
ressurreição por parte de alguns é apenas o preconceito aos milagres, quanto ao
mais, a ressurreição está muito bem embasada e é a melhor explicação para os
fatos. O Dr. William Lane Craig resume bem isso:
Certamente existe pouca chance de algumas das hipóteses concorrentes algum dia superar a hipótese da ressurreição no que concerne ao cumprimento dos requisitos apontados. A perplexidade dos eruditos contemporâneos quando confrontados com fatos como o sepulcro vazio, as aparições de Jesus e as origens da fé cristã sugere que não há no horizonte nenhuma hipótese rival que seja melhor. Uma vez que se abra mão do preconceito contra milagres, é difícil negar que a ressurreição de Jesus é a melhor explicação para os fatos.⁵
Diante de tudo isso, concluímos
que a comparação dos relatos do evangelho com a brincadeira do telefone sem fio
é no mínimo infundada e irresponsável. Ademais, temos excelente motivos para
crermos que através da tradição oral praticada no início da igreja, Deus
preservou a mensagem do Evangelho intacta e fiel.
1-
ERMAN,
Bart D., Quem Jesus foi? Quem Jesus não
foi? : mais revelações inéditas sobre contradições da Bíblia; tradução
Alexandre Martins. - Rio de Janeiro: Ediouro, 2010.
2-
STROBEL,
Lee . Em defesa de Cristo : um jornalista
ex-ateu investiga as provas da existência de Cristo; tradução de Antivan
Guimarães Mendes, Hans Udo Fuchs. — São Paulo : Editora Vida, 2001. p.61
3-
Ibid. pp.
61-62.
4-
Para uma compreensão
maior do assunto ver CRAIG, William Lane. Apologética
contemporânea: a veracidade da fé cristã; tradução A. G. Mendes, Hans Udo
Fuchs, Valdemar Kroker. — 2. ed. — São Paulo: Vida Nova, 2012; CRAIG, William
Lane. Em guarda: defenda a fé com razão e
precisão; tradução Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo: Vida Nova,
2011; COPAN, Paul (editor). O Jesus dos Evangelhos: mito ou realidade? /
um debate entre William Lane Craig, John Dominic Crossan; tradução Emirson
Justino. — São Paulo: Vida Nova, 2012; Não
tenho fé suficiente para ser ateu / Norman Geisler, Frank Turek; prefácio
de David Limbaugh; tradução Emirson Justino. - São Paulo: Editora Vida, 2006.
5-
CRAIG, William
Lane. Em guarda: defenda a fé com razão e
precisão; tradução Marisa K. A. de Siqueira Lopes. São Paulo: Vida Nova,
2011. p. 290.
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