Dois pesos e duas medidas na interpretação do Apóstolo João



Por: Janderson Torres


"Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus." João 17:9


Dentre vários textos usados pelos calvinistas para defender uma redenção particular e exclusiva dos eleitos, esse texto é um dos mais mal empregados por tais. Admira-me o fato de os calvinistas serem conhecidos por uma boa teologia e serem dedicados na exegese bíblica, carregarem o lema “SOLA ESCRIPTURA” consigo, e ainda assim, fazerem uma completa eisegese desta passagem.

Segundo as regras de interpretação bíblica, esse texto NUNCA poderia ser usado para tecer algum comentário sobre EXPIAÇÃO. Não há nada, nem neste texto, nem no contexto do capítulo, que nos indique que Jesus está tratando sobre os benefícios e o alvo de sua morte vicária. O que de fato esse texto está tratando? 

Acho que qualquer leitor bíblico (sem os óculos calvinistas) traria o real sentido desta passagem numa leitura breve, onde a chave para o entendimento estaria logo no início da frase: “Eu rogo...”. Está bem claro qual é o tema desta passagem, a saber – A ORAÇÃO de Jesus em favor dos seus escolhidos – veja bem: A ORAÇÃO e não A EXPIAÇÃO de Jesus pelos seus escolhidos. Até agora não sei como, por conta desta oração, alguém poderia chegar à conclusão que Jesus morreu APENAS pelos eleitos. Talvez aos que se propõem a fazer esse link, faça uma verdadeira cambalhota exegética. Mas, digamos que essa afirmativa seja verdadeira, que o simples fato de Jesus ter orado pelos eleitos, concluamos que a sua morte foi em favor apenas destes. Então temos uma regra simples: Todos aqueles em que foram alvo das orações de Jesus são os beneficiários da sua morte. O que os Calvinistas não percebem é que Jesus também orou pelos NÃO ELEITOS. Ainda agonizando o sofrimento da cruz, Jesus diz: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” Lucas 23:34a. A pergunta que fica é: quem era o alvo desta oração de Jesus? A resposta óbvia é que o alvo desta oração eram aqueles que crucificaram injustamente a Cristo. Lembrando-se da regra que mencionei logo acima, que todos aqueles em que foram alvo das orações de Jesus são os beneficiários da sua morte, nesta perspectiva temos duas alternativas: 1- Os que participaram direta ou indiretamente da injusta crucificação de Jesus eram eleitos também. 2- A morte de Jesus, por conta desta oração, foi também em favor dos NÃO ELEITOS.


A primeira alternativa é descartada logo de cara, pois bem sabemos que aqueles que cometeram essa injustiça com Jesus não faziam parte do grupo de eleitos, pois os mesmos rejeitaram ao Senhor Jesus. O que nos resta então é a segunda opção, de que o fato de Jesus ter orado por pessoas que não fazem parte dos eleitos, fazem estes, alvos de sua morte. Percebam que se os calvinistas levarem até as últimas consequências essa lógica terão também que trabalhar com a ideia de que Jesus morreu também pelos não Eleitos.

Como vemos, a interpretação calvinista deste texto é completamente anômala, comete sérios erros de interpretação e depõe contra sua própria posição.

Vale ressaltar também, que ao fazer essa interpretação, os calvinistas fazem um paralelo antagônico entre os eleitos (expresso no texto “[... por eles...], [... aqueles a quem tu me deste] e [... teus]”.) e os não eleitos (expresso no texto pelo termo “mundo”), usando abertamente a expressão “mundo” como os réprobos. É curioso notar que nas suas epístolas, o Apóstolo João faz também os mesmos paralelos entre os eleitos, expresso pelo termo “os seus” e o "mundo". Por exemplo: “Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo está no maligno.” (1 João 5:19). João nitidamente faz um paralelo entre aqueles que são de Deus e aqueles que são do mundo. E entendemos que aqueles que são de Deus, como os eleitos e os que são do mundo como os não eleitos. Temos outro exemplo: “Vede quão grande amor nos tem concedido o Pai, que fôssemos chamados filhos de Deus. Por isso o mundo não nos conhece; porque não o conhece a ele.” (1 João 3:1). Mais uma vez, esse paralelo para João é bem perceptivo aos nossos olhos em que nesses casos, onde há esse paralelo, mundo significa NÃO ELEITOS, mas até aqui tudo bem para os calvinistas. A coisa começa a ficar complicada quando vamos para a mesma epístola de 1João, mais precisamente no segundo capítulo, lemos: “E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo.” (1 João 2:2). Acompanhando a coerência e o uso de João do termo “mundo”, fica fácil de entender e de interpretar esse texto. Se toda vez que acontece esse paralelo entre “mundo” (não eleitos) e “nós” (eleitos), entendemos que Jesus é a propiciação não apenas dos “eleitos”, mas também dos “não eleitos”.

Fica incoerente para os calvinistas, aplicarem uma regra interpretativa em um caso (João 17:9) e no mesmo caso em (1João 2:2), aplicarem outra regra. Parece-nos bem aquele jargão: “Dois pesos e duas medidas”, essa expressão resume bem a interpretação calvinista deste texto. Por isso um calvinista que nega a expiação universal à luz de um texto como este teria que corromper o significado de “mundo”, de “todos” e de “não somente”. Em termos simples, teria que corromper tudo e esquecer este texto.

Antes que alguém me condene por fazer uma análise de texto em livros diferentes, usando textos do evangelho de João e o relacionando suas epístolas, gostaria de lembrá-los que esse tipo de relação não teria muita eficácia, caso os autores fossem diferentes e as épocas de escritas fossem diferentes, como não é o caso em questão. Mas essa relação é feita comumente com Paulo, quando estudamos algum assunto de suas epístolas, e vemos a ocorrência de algum termo em todas as suas epístolas para entendermos melhor o significado do termo. O estudo da ocorrência de termos, ás vezes é feita até com autores diferentes, como por exemplo: As obras e a justificação, a aparente contradição entre Paulo e Thiago. Quanto mais próximo do autor for esse estudo, melhor será para o intérprete. Enfim, precisamos entender como um autor atribui um termo em todas as suas epístolas, pois, se conseguirmos traçar um perfil dessa atribuição, certamente estamos enveredando por um caminho seguro na interpretação de um texto.


Por fim, fico com as palavras de Ambrósio, um dos pais da Igreja (340-407):
 “Cristo sofreu por todos, ressuscitou por todos. Mas se alguém não crê em Cristo, ele se priva deste benefício geral.” Ele também disse, “Cristo veio para a salvação de todos, e garantiu a redenção de todos, porquanto Ele trouxe um remédio pelo qual todos podem se salvar, embora haja muitos que… estão indispostos para serem curados”.

Um comentário:

  1. http://hernandesdiaslopes.com.br/2010/06/a-oracao-do-deus-filho-ao-deus-pai/#.V57b0tVrjIU

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